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21 de novembro de 2007

O Reino Mágico do Sul

Capítulo 2:
SANGUE & CRISTAIS

Livre viu o homem fitá-lo de maneira desconfiada e assustada. Vendo que não adiantava ficar ali por mais tempo, Livre disse adeus e, deixando o homem mais abismado ainda, levitou diante dele, voando como um pássaro em direção à capital do país. Ele tinha um propósito, mas não tinha nenhuma dúvida do que fazer e de como executar suas ações.


Naquele mesmo instante, há 100km dali, mais um dia começava na sede do governo. O presidente e alguns de seus ministros tinham uma reunião de portas fechadas com alguns lobistas representantes de algumas das maiores empreiteiras e construtoras do país. O diálogo era pútrido como quase tudo que ocorria naquela cidade, e se tratava de linhas de crédito exclusivo (com dinheiro destinado originalmente à educação e à saúde), super faturamento, desvio de verbas e demais falcatruas.


Todos saíram rindo da reunião. Estavam felizes pois nunca tiveram tanto dinheiro. Seu esquema envolvia contas no exterior e transferências ilegais de valores. Era um esquema sujo controlado por quem estava no poder. “Ninguém observa os observadores” pensavam eles. E era verdade, pelo menos até aquele dia.


Em sua mesa, o presidente conversa com alguns de seus aliados, líderes do governo na câmera e no senado. Falam sobre mudanças em leis de interesse partidário, e comemoram os recordes de arrecadação em impostos. Comentam o estrangulamento econômico do país em alguns anos, mas gargalham ao constatar que “aquilo não será mais problema deles”.


“O povo tem sido mantido em uma sombra de confusão por gerações. Sem uma formação educacional de qualidade eles não aprendem a refletir, a ponderar, a questionar. Ensinamos o povo, no máximo, a como trabalhar, por meio de ensino técnico e profissionalizante. Ensinamos como usar uma chave de fenda mas não ensinamos o porque de usar uma. E desde que ele se sinta confortável com isso, ou preocupado em não deixar de usar a chave de fenda, tudo estará como desejamos” confidenciaram entre si. “O plano continua na pauta do dia: manter o povo na ignorância e na situação calamitosa em que se encontra é fundamental para a manutenção do poder... do poder de desviar verbas sem ser questionado, de distorcer a verdade, de manipular opiniões, de se apropriar indevidamente de conquistas, de se vangloriar por nada e, se sobrar tempo, de fazer alguma coisinha pelo povo”.


Eles gargalham uma vez mais. Todos saem da sala e o presidente fica sozinho para despachar. Quase tem um infarto quando vê Livre sentado em sua cadeira, fitando-o silenciosamente com um olhar de reprovação devastador. Sua figura era semelhante a um fantasma.


“Quem é você e como entrou aqui?” perguntou o presidente, ainda assustado. Livre se levantou e apenas com um pensamento isolou toda a sala, recobrindo-a com uma grossa e naturalmente irregular camada de cristal translúcido. Não um cristal qualquer, mas um cristal tão duro quanto diamante.


O presidente ficou apavorado e caiu no chão, tamanho era a tremedeira em suas pernas. Ele se levantou e correu em direção aonde ficava a porta quando Livre levitou em sua direção. Ele raspava o cristal duro com suas unhas tentando vencê-lo para escapar, e logo as unhas se descolaram de sua carne e o sangue começou a verter de suas mãos.


Livre agarrou as mãos ensanguentadas do homem. Os olhos do presidente se esbugalhavam de pânico. Livre tinha os cabelos esvoaçantes e os olhos agora sem pupilas, totalmente brancos. Ele levantou as mãos do presidente e as fez tocar o rosto do homem, manchando-a de sangue. “Este sangue em suas mãos é do povo morto e sofrido deste país que não é nação. Este sangue está nas suas mãos e nas mãos de cada um dos seres humanos que já pisaram sob esta terra e a chamaram de pátria, e supostamente a administraram de alguma maneira” disse Livre.


O presidente começou a chorar. Livre o soltou, e ele caiu no chão novamente, entregue. “Hoje este ciclo vicioso terá seu fim. Avise a todos os seus companheiros que hoje é o dia da desforra contra o descaso e a iniquidade. Diga há eles o que eu digo a você: renda-se ou sofra as conseqüências. Eu vim para conquistar e então libertar, porque só se pode libertar algo que você conquistou. E bem sei que esta conquista será batizada em sangue, porém, no sangue impuro de homens viz e gananciosos”.

continua...

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