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24 de setembro de 2003

CONVERGÊNCIA

Meu post anterior foi, digamos, rancoroso, não é verdade? Me arrependo de tê-lo escrito, mas não vou apagá-lo. Ao contrario, vou colocar algo aqui para me redimir. É uma espécie de conto (mas eu gosto de chamá-lo de poema em prosa) que escrevi a algumas semanas e fala, básicamente, sobre a mesma coisa do tópico passado, mas obviamente, de uma forma mais bonita, leve e poética. Todos os meus conhecidos que leram e me deram retorno me falaram que ficaram tocados de alguma forma. Espero que lhe toque também... aqui vai ele:


CONVERGÊNCIA


Não haviam mais lágrimas para derramar. Não existiam mais motivos para se entristecer. Tudo estava muito bem resolvido em seu coração. Aquele medo que o assombrava de fora. Aquele ódio que lhe ardia se apagara. E aquele vazio que sentia fora preenchido. Suas perguntas tinham respostas e seus anseios eram saciados. Seus olhos viam, sua pele sentia. A brisa lhe acariciava deliciosamente. Seu corpo estava imaculado, e sua mente estava transformada. Todos os seus dias eram repletos de alegria, e sua felicidade transbordava em conjunto com aquela que igualmente transbordava dos demais que, junto a ele, habitavam agora e para sempre naquele santo lugar. O amor preenchia todos os recantos, a paz imperava soberanamente, a plenitude era real, a utopia era rotina.

Mas nem sempre fora assim. Haviam dias em que ele não queria nem mesmo se levantar de sua cama. Sua estranha atitude não era justificada nem pela preguiça e nem por alguma doença. Era o vazio que havia em sua vida que lhe dava esta amargura triste e obscura, que lhe tirava os ânimos da própria vida. Suas esperanças eram vãs, e seu viver era insólito. Tentava afogar seus pensamentos com seu cotidiano vaidoso, impregnado de valores sórdidos comumente aceitos e praticados pela sociedade na qual ele estava inserido. Prostituía-se, mesmo que não admitisse esta palavra como a correta para definir seu comportamento promiscuo, que ele repetia noite após noite em sua peregrinação pelo prazer, onde percorria bares e festas noturnas onde todos tinham o direito de enterrarem suas vidas da forma que desejassem. Todo cego, além de cego, costuma ser teimoso, achando que enxerga algo que não existe além da sua própria mente.

Do que lhe valia tudo isto sem amor? Nisto ele pensou e obteve uma vitória acima daquela que ele imaginava tem conseguido. Amou e foi amado, mas o amor de uma mulher lhe era pouco. Seu coração ansiava por mais. Mas o que podia lhe suprir tal sentimento? Nem ele imaginava que já era amado mais do que podia desejar.

Afogou-se em mentiras e descobriu-se em sua podridão. Navegou pelo oceano das ilusões e naufragou na ilha da solidão. A mulher que lhe amava não o amava mais, e isto lhe custou até mesmo a falsa felicidade que julgava possuir. Precipitou-se contra sua própria morte, desejou seu próprio fim. Nem isto encontrou. Atirou-se à religiões humanas, que não o levavam à verdade tão óbvia. Ele se embrenhou em falsos caminhos nas mãos de exploradores cruéis, e se desiludiu.

Se a vida fosse um vale, ele estava em seu recanto mais baixo. Jogado ao mundo sem pai nem mãe, vagava pelos dias como uma alma presa ao inferno, em constante sofrimento por aquilo que seus olhos tão cegos e seu coração tão endurecido não podiam compreender.

Abandonado como um cão, decaído de seu pedestal, onde colocava a si mesmo como deus de sua própria vida, ele se humilhou e foi humilhado em segredo. Sofreu abusos dos quais não se esqueceria enquanto vivo. Diante do mundo era um vencedor, o mais admirável dentre os homens, mas diante do seu próprio julgo sabia que nada era além de um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Um ser que vinha voltando insistentemente para aquilo que lhe causava dor e sofrimento, assim como um cão que retorna ao próprio vômito.

Mas aquele que lhe amava mais do que qualquer outro ser humano seria capaz de amar não se esqueceu dele em seu sofrimento, e na madrugada, enquanto o homem lhe buscava mesmo sem saber quem era, Ele se revelou, e manifestou seu amor da maneira mais simples, porém eficiente, de todas. Preencheu o vazio que o homem tinha em seu coração. Aquele mesmo vazio que muitos não admitem ter, que muitos ainda não se deram conta de que tem mas vão dar algum dia. Aquele vazio que os homens buscam preencher por toda a sua vida, aquele vazio que lhes move ou para o bem ou para o mal. Aquela parte que falta a todo ser humano e que só pode ser preenchida por uma única coisa. Neste instante, ele conheceu aquele que lhe amava.

Depois daquela madrugada o homem não deixou de passar por sofrimentos. O homem não deixou de passar por aflições. Mas agora ele tinha no que se segurar e no que ter esperanças. Ele sabia no que ter fé e, acima disto, sabia claramente que nunca mais estaria sozinho, mesmo em meio à mais terrível das tempestades, com trovões ressoando nos céus e raios caindo ao seu lado. Por que ele havia descoberto que aquele que comandava a tempestade lhe amava. Sabia que tinha uma rocha segura aonde se firmar, um chão sob seus pés, uma segurança que nada mais no Universo seria capaz de lhe dar.

Muitos tacharam-no de louco, de insensato, de ingênuo ou no mínimo de estranho. Agora ele agia como um perdedor para o mundo, mas como um vencedor perante aquele que lhe amava. O mundo morrera para ele, e ele para o mundo. Suas atitudes lhe valeram humilhações que, para ele, eram exaltações pelo seu sofrimento. Ele aprendera a transformar seus castigos em prêmios, já que seus olhos estavam agora bem abertos, e seu coração estava amaciado. Ele tinha perdido sua vida para ganhá-la, verdadeiramente.

Não muito depois o homem foi-se deste mundo. E do mundo não sentiu saudades, assim como mundo não se importou com sua partida. Mas em seu destino final, após passar pelos portões de entrada, diante daquele que lhe amou antes mesmo que ele existisse, no lugar mais belo que sua mente jamais poderia conceber, tudo o que pode fazer foi derramar lágrimas de alegria, prostrar-se e então beijar-lhe os pés, lhe agradecendo com toda a sinceridade e amor. Ele então lhe ergueu e, enxugando suas lágrimas, o abraçou amorosamente, lhe dizendo: "Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestes [no sangue do Cordeiro] para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas" (Ap. 22:14). Todo o seu sofrimento havia, enfim, terminado. Ele havia chegado até a presença de Deus para todo o sempre, entregando-se a seu filho Jesus, o Cristo.


"Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." - Apocalipse 21:4


Daniel P. Fontes

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